segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Política: não há condenação para quem está ao lado da lei

A revista Veja da semana passada indagou, na sua capa, “por que eles não estão presos” ? A matéria era sobre impunidade no Brasil.Após discorrer sobre as tristes personagens de vários e relativamente recentes escândalos de nossa República, ela traz um quadro (páginas 72 a 73) apontando o que seriam as causas principais do emperramento da Justiça, e identifica seis problemas, ou o que chama de “nós” do sistema judiciário (“Os nós que emperram a Justiça”). Aponta-os e sugere também as “soluções” .Acertadamente, a revista aponta como principal fator a demora, a lentidão, pois em quase todos os casos apresentados por Veja sequer houve julgamento inicial.Entretanto, espantosamente, a maioria das soluções são ou mera tautologia ou não passam de parvoíces ou rasas sugestões; indesculpável para quem se propôs a tratar o assunto.Julgue-o o leitor, eis os “nós” achados e as “fantásticas” soluções de Veja :
Nó n.º 1 .- Problema : demora na coleta de provas e relatórios e análise de documentos precário (“sic”) são falhas freqüentes nos inquéritos policiais. Como exemplo, cita a operação Vampiro, que por relatório incompleto, voltou à estaca zero dois anos após.- Solução da revista Veja : aperfeiçoar o trabalho da policia na fase posterior às prisões .- Comentário : a tese da revista é “primeiro prende depois investiga” ! Ora, o trabalho policial tem de ser aperfeiçoado antes da prisão, a qual deve ser – normalmente – decretada só após o julgamento (e não antes do julgamento !)
Nó n.º 2 .- Problema : os inquéritos envolvendo políticos vão para as cortes superiores e, por estarem elas abarrotadas, demoram anos para julgar. Como exemplo, cita a demora de dezessete meses do STF para apreciar a peça inicial dos acusados do “mensalão”.- Solução da revista Veja : eliminar o foro privilegiado (como nos Estados Unidos)- Comentário : não vai adiantar nada ! primeiro, porque a justiça em muitos estados também é lenta ( como a própria revista narra, o caso do jornalista Pimenta Neves demorou seis anos para ser julgado no júri – que é uma justiça estadual !); segundo, porque sempre caberá recurso aos tribunais superiores – ou seja eles vão ter de apreciar do mesmo jeito (embora sem a fase de provas); terceiro – e aqui a coisa se complica mais ainda - será que dá para condenar políticos nos tribunais em que eles têm suas bases ? Lembro o estudo de Ivan César Ribeiro e Brisa Lopes de Mello Ferrão (1) no sentido de que a justiça brasileira costuma favorecer os poderosos locais .
Nó n.º 3 .- Problema : nó do excesso de habeas corpus, retardando o processo . Exemplo : o juiz Nicolau dos Santos Filho impetrou 32 “habeas corpus” (1) .- Solução da revista Veja : limitar o habeas corpus a situações muito pontuais.- Comentário : é muito raro um processo com tantos habeas corpus; ademais eles não suspendem o processo criminal de um modo geral, assim, por si só, não causam o retardo. Não que a solução seja descartável, mas há pouca relação de causa e efeito, e o remédio heróico tem sido na história brasileira, um dos raros instrumentos eficazes de liberdade.
Nó n.º 4 .- Problema : os abusos da defesa. Os advogados podem pedir a convocação de até oito testemunhas de defesa. Exemplo : um doleiro na operação Farol da Colina pediu a oitiva de testemunhas em quatro países, atrasando um ano a ação.- Solução sugerida pela revista : norma para impedir os abusos e seguir exemplo americano, que estabelece uma prova pode ser indeferida se implicar atraso indevido e perda de tempo.- Comentário : o difícil é diferenciar o que é perda de tempo e o que não é nos casos concretos antes de ver a prova produzida; veja o leitor o próprio exemplo dado pela revista : a operação Farol da Colina trata de remessas ilegais de dinheiro para o exterior, em que muitos contestam a existência de contas, taxando-as de falsificações, ora, era de se esperar, dependendo da rota do dinheiro, que pessoas no exterior devam ser ouvidas .
Nó n.º 5.- Problema : a parte pode apelar para três tribunais; até o julgamento final o réu fica em liberdade. Exemplo : cita novamente o caso do jornalista Pimenta Neves, assassino confesso.- Solução da revista : desencorajar o recurso a tribunais superiores. Diz que a súmula vinculante se propõe a isso.- Comentário : ao invés de “desencorajar” (como seria isso ?), seria muito mais eficaz proibir o condenado em primeiro grau de recorrer em liberdade, dependendo da gravidade do crime ou do estado de flagrante. Mas nunca é demais lembrar que o sistema se baseia na decisão final para que algum vá preso ! Ademais, a súmula vinculante muito pouco tem a ver com essa questão.
Nó n.º 6.- Problema : a prescrição (2). A defesa usa todas as brechas da lei para que o crime prescreva. Exemplo : Paulo Maluf teve um processo penal oriundo de 1996 arquivado por prescrição.- Solução da revista : abreviar o andamento dos processos.- Comentários: se a revista diz que o grande problema é a demora, parece risívelmente óbvia a sugestão de "acelerar o processo" ! Ademais, a grande solução eficaz seria não correr prescrição durante o andamentdo do processo, desde que fosse assegurada uma duração razoável do processo para o acusado, isso é, não tivesse ele de suportar um processo excessivamente longo para definir a sua culpabilidade.
Texto de Paula Mattäus - adaptado do original de textos do Advogado Jarbas Andrade Machioni.